Jackpot!

Parece que esta semana vai haver um Jackpot chorudo e memorável no Euromilhões. E para muitos parece que só assim vale a pena jogar. E eu já pressinto as aspirações compactuantes com Deus e as filas intermináveis nos postos de depósito de apostas. E os balões mentais que denunciam os carros topos de gama, rasteiros e barulhentos, duplexes voltados para o mar, viagens para destinos com água azul turquesa, jóias e todo o tipo de gadgets, o “queria muito mas já me cansei”, a troca do “para quê?” pelo “porque sim!”. E a inveja que se ia fazer aos vizinhos e "amigos" cujos hábitos e pertences se cobiçam. E claro, as eventuais promessas de ir a Fátima se a sorte (?) batesse à porta.

Não vivo uma vida asceta. Tenho os meus caprichos e excentricidades. Gosto de conforto e de sabores requintados. Gostava de ter dinheiro na quantia exacta de não ter de me preocupar com o dinheiro. Gostava de patrocinar sonhos em que acreditasse, de seguir sonhos, de ter dinheiro para projectos sociais, promover produtos nacionais, de recuperar ofícios antigos e a sua sabedoria ancestral, de dar dignidade a sem-abrigo e animais abandonados, de viajar sem rumo e sem data certa para regressar. Sei que com o jogo este cenário podia ser alcançável contudo, facilmente desviado ou corrompido.

Na verdade raramente jogo. Costumo registar o meu boletim, quando combinações de números vêm ao meu encontro, quando encontro boletins antigos e eu fico sem perceber se é um sinal, se deva ajudar a Vida a mudar o seu / meu rumo. Quando percepciono que não ganhei o tão famigerado prémio sinto um pouco de frustração e muito alívio. Gostava de receber quanto muito, um segundo prémio…o Jackpot nunca!

Na verdade, tantas vezes vou vaguear para livrarias quando sei que as respostas estão nos livros que tenho em casa por ler. Tantas vezes o equilíbrio só chega no silêncio. Quantas vezes o que precisamos é unicamente de pele, de olhar e suspirar. Ou de um banho quente, de uma chávena de chá, de palavras balsâmicas e de uma noite bem dormida. De ficarmos sossegados, de permanecermos nos nossos ideias, de não nos dispersarmos.

De certa forma, gostava de me ver de batuta a orquestrar uma vida aos meus olhos mais justa ainda que acredite que a verdade nunca está no primeiro olhar, que há uma ordem onde as injustiças fazem sentido. Por outro lado, quero manter os meus rituais; quero libertar-me de responsabilidade social, quero saber que a minha família não corre riscos nem ameaças por motivos financeiros, quero andar sem guarda-costas, não quero correr riscos de ter amigos oportunistas, de analisar investimentos, de ler os livros de instruções de toda a tecnologia que adquirisse, de me materializar. Acima de tudo, não quero ter de procurar sofregamente o foco, o discernimento e clarividência numa dança inebriada e vertiginosa, repleta de estímulos.

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