Saudade desmesurada!

...faz hoje dois anos mas parece que foi ontem!
Recupero este texto porque acredito que as palavras escritas, (re)lidas e sentidas são uma forma de chegar a Ti!


Querida Júlia:

“Isto não podia ter acontecido…”, “é terrível demais para ser verdade”, “o que vai ser da Barbara e do Eduardo?!” foi o que balbuciei quando fui aturdida às 4 da manhã com uma campainha incessante que anunciava a tua morte. Talvez não ter ouvido o telemóvel fosse uma defesa inconsciente para fazer perdurar por mais uns momentos a certeza de que te tinha entre nós.
Pensei que se tratasse de um pesadelo… esperei acordar rápido desse tormento e sentir o alívio e conforto de tudo não ter passado de uma ilusão e poder voltar a dormir… afinal a lógica da vida deveria conferir uma espécie de imunidade, por algum tempo, a quem perde alguém muito querido como nós perdemos, faz hoje 2 meses. Ainda tive esperança de poder ter esperança… mas logo percebi que tinha sido brutal e fatal. A tua morte teve a força que governou a tua vida… afinal de contas, nunca foste de deixar as coisas a meio. Sempre possuíste uma força desmesurada, que te permitia alcançar o que te atrevias a sonhar. E até a Natureza tu desafiaste e fizeste impor a tua vontade... mas fazia-lo por pura convicção, por entenderes que era o teu caminho, a tua verdade e nunca, por teimosia, arrogância ou competitividade… aliás, as tuas vitórias nem sempre eram anunciadas por ti…

Na verdade, orquestraste a tua vida, como se tratasse de uma bela melodia… controlavas o tempo, as palavras, as acções e as coisas apareciam feitas como por actos de magia e sem qualquer esforço… nos últimos tempos descobri em ti uma outra qualidade: a sensatez, pois apercebi-me que os teus pontos de vista eram ponderados, exímios e com grande sabedoria… Ao mesmo tempo, a tua energia exaltava de ti de forma vibrante e nada ficava indiferente à tua passagem… e por isso, ás vezes dizíamos em jeito de brincadeira, que eras um perigo para fazer certos trabalhos mais delicados e chamávamos-te “espalha-brasas”. Também te chamava “terror da capoeira” pois se fosse preciso entravas por ali dentro de faca em punho e matavas as galinhas que fossem necessárias para sustentar a família por uma temporada… e eu dizia que as galinhas quando te viam, pressentiam a morte com a imagem do esqueleto de capuz negro e foice na mão… e mal eu sabia que ela ia chegar até ti tão em breve…


Contigo aprendi que se pode ser guerreira e feminina ao mesmo tempo… as vezes notava em ti uma certa aura muito subtil de vaidade, que realçava o teu poder feminino… Em ti, vi a Deusa Atena pela sabedoria, inteligência e racionalidade (às vezes, camuflavas as tuas emoções) e que permitiu realizares-te profissionalmente… mas também encontrei a Deusa Deméter pelo teu instinto maternal, pela forma doce e exemplar como cuidavas dos teus filhos… e que te fez sentir realizada como esposa e Mãe.

E também eles e o pai estão a ser corajosos… estão a sofrer desmesuradamente, em silêncio, estão a tentar aceitar esta verdade tão atroz mas certos de que a tua curta existência valeu pena, ainda que a dor da tua partida seja dilacerante. De certo modo, sentem a responsabilidade de agir com a bravura que lhes contagiaste… A “irmã”, disse-me que Deus que lhes pegou pela mão… e eu quero acreditar que sim… que terão a protecção de Deus, a tua protecção… e garantidamente o nosso Amor.

Nos últimos tempos, acho que ambas sentimos uma necessidade de reaproximar a família… e por isso celebrávamos acontecimentos como a vindima, a apanha da azeitona, a ida às pinhas, como momentos únicos para partilharmos a alegria de estarmos juntos e tentarmos descobrir em que nos tínhamos tornado neste tempo que passou sem darmos por ela… O último Natal, que se avizinhava irremediavelmente triste, foi vivido com reverência, pois ao partilharmos a dor de não termos a Belita entre nós, partilhámos também a alegria de ainda nos termos e sentimos profundamente a falta que cada um nos fazia e por isso, arrisco a dizer que até foi mais intenso comparado com anos anteriores… O ritual de fazermos filhós e de irmos juntos às couves para a consoada ficará para sempre marcado pela tua ausência… restam as fotos, as lembranças e os planos desfeitos… e eu já sinto uma saudade infinita e uma vontade descontrolada de voltar atrás no tempo.

O teu coração, de viver tão intensamente, cansou-se e parou. Para mim, ele traiu-te pois nunca te advertiu para abrandares o ritmo ou teres cuidado… sei que terei de aceitar… mas primeiro, preciso de reviver cada momento que passamos juntas e lembrá-los até à exaustão… custa-me muito não me ter despedido de ti e de não ter desfrutado mais da tua companhia tão valiosa… por isso deixo-te estas palavras com a esperança de que as possas ouvir e sentir.

As vezes penso que se a tua última frase no MSN foi “a neve acabou, a recordação ficou…” e se nevou antes do teu funeral, se fez Sol no decorrer do cortejo e voltou a nevar quando terminou… é porque há qualquer coisa de divino em tudo isto e certamente, estarás em sintonia com o Universo…

Em nome de ti, pelo que foste, pelo que representaste para mim, tentarei perseverar o teu ser na tua obra mais valiosa, a Barbara e o Eduardo… serás sempre um exemplo a seguir e uma fonte de inspiração! Obrigada… nunca te esqueceremos!

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