10 Palavras...


A Natália Rodrigues pediu-me dez palavras, baralhou-as e escreveu este texto lindo acerca de mim...

Naquela noite deitei-me tarde.
Adormeci olhando o crepúsculo pela janela do meu quarto.
E enrolada na minha coberta violeta, deixei-me levar pelas asas da noite.
Todo o meu dia havia sido desconcertante, tantas coisas por resolver, tantos assuntos por concluir, tantas respostas por dar, tantas palavras entaladas na garganta, tantos suspiros retidos, tantos desejos por realizar.
Deixei-me levar, derrotada pelo cansaço, ao encontro do mundo onde nada controlamos.
Ao encontro do lugar onde tudo se pode desfazer, com um abrir de olhos.
Ao encontro do espaço onde tudo cabe, e onde nós cabemos de qualquer forma.
Onde os perigos só duram horas, onde a vida só dura minutos, onde a morte é só uma ilusão, onde tudo tem um significado que não significa nada.
Deixei-me levar porque precisava muito abandonar a minha história, a reverência dos meus actos, e encontrar a sintonia dos meus passos.
Deixei-me levar porque senti que ficar comigo mais um instante seria demasiado penoso, para que pudesse suportar.
Adormecer naquela noite era o meu maior desejo.
E nesse intervalo entre a vida que dorme o tempo de acordar, ouvi o sussurro da noite.
Foi o som mais doce que alguma vez escutei.
A minha pele arrepiou-se, a minha alma estremeceu.
De onde poderia vir um som, capaz de fazer sentir a sua falta logo á chegada?
Embrulhada na manta violeta, não devo ter conseguido movimentar o meu corpo do mesmo jeito que estremeceu o meu espírito.
Mas no mundo da noite, enquanto planamos no vazio, tudo é possível.
E o sussurro continuou, tornou-se então em linguagem e esforcei-me para o entender, concentrei-me mais, e para o fazer em vez de fechar os olhos, abri o coração.
Pétalas… pétalas…
Pétalas?!
Deixei-me levar pelo ténue toque desse expirar da noite, e repeti vezes sem conta: pétalas.
E nessa noite em que depois de um dia desconcertante, desejei adormecer enrolada na minha manta violeta e entrar em sintonia com alguma coisa que me desse conforto, que nutrisse o deserto que sentia por dentro.
Nessa noite em que nas asas do sono abandonei a reverencia e fiquei sem jeito no meio da cama olhando o crepúsculo.
A noite em que ouvi o sussurro mais doce que algum dia imaginei existir, conheci o poder das pétalas.
Todas juntas formam uma flor.
Só uma é leve e frágil, voa com o vento, pisa-se sem querer, todas juntas são uma obra da natureza.
Pétalas, também somos nós. Sozinhos, não somos quase nada e juntos, ocupamos um planeta.
Todos os nossos problemas são os problemas do mundo, são capítulos de uma história que escrevemos juntos há muito mais tempo do que nos é possível recordar.
Não vale a pena, querer ser só uma flor sem perceber a beleza da pétala, nem querer ser só uma pétala sem perceber a beleza da flor.
Não vale a pena, pensar que somos únicos, sem perceber que é a diversidade que nos torna assim.
Não vale pena nada, senão soubermos render-nos á insignificância de aceitar que somos a pétala que faz a flor, que faz o jardim, que faz a natureza, que liga tudo.
Pétalas. Atiram-se no dia do casamento, decoram os bolos, fazem perfumes, atiram-se no dia da nossa partida.
E eu que estava tão revoltada, com um nó por desfazer, rendi-me ao sussurro, e senti a beleza de ser como uma pétala.
Quando acordei, estava feliz.
Afinal mais importante do que resolver tudo o que havia deixado, foi o facto de eu ter ganho um novo propósito: ser a flor da minha vida.
Procurar em cada pessoa o espaço para me encaixar e ajudar a criar a mais bela flor desse momento.
Deixar-me render pela insignificância, fez de mim uma pessoa muito mais forte. Muito mais completa.
Fez de mim uma pétala fascinada pelo jardim onde vivo.
Natália Rodrigues
Abril 2009

Obrigada, Natália! ;-)

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